quarta-feira, setembro 24, 2008

Íntimas Suculências

"Os seres humanos procuram perdidamente uma saída. Existe um fio condutor que pode conduzir-nos até ela, e esse fio é, nada mais nada menos, a nostalgia do passado. A nostalgia tem a ver com tudo o que perdemos, o ritual, a intimidade, as pulsões, o feminino. Urge recuperar uma relação individual e mais humana com a natureza. Necessitamos de Prometeus contemporâneos que roubem o fogo à indústria que contamina e produz irracionalmente e às fábricas de armamento, para que o homem recupere e se salve. Recuperar o poder criativo do fogo e devolvê-lo ao lar. Recuperar a cozinha como espaço de sabedoria onde se pratica a arte e a vida. Onde se unem os produtos da terra aos do ar, o presente ao passado. "Onde a mistura dos princípios activo e passivo cria outra realidade artística e espiritual através de um acto amoroso. Só o amor concilia opostos e faz de dois seres um único. Na cozinha conciliam-se os quatro elementos da natureza num prato só e um quinto elemento mais, que eu acrescentaria, e que é a carga afectiva, sensual - talvez aquilo a que o Oriente chamou "o vazio" -, que cada pessoa transmite à comida no momento de a preparar. É esta energia que converte o acto de comer num acto de amor. É onde se investe, reverte e amalgama o papel sexual do casal. O homem converte-se no ser passivo e a mulher no activo. A energia da mulher, misturada com os cheiros, os sabores, as texturas, penetra no corpo do homem, calorosa, voluptuosa, tornando uno o prazer gastronómico e o sexual. Aqui não há guerra dos sexos. Está superada. Há um único e grande gozo. Fomentemo-lo e recuperemos o ritual. Por meio dele recuperaremos o espírito. Temos pois, nas nossas mãos, tanto as mulheres como os homens - para que vejam que não somos sexistas -, a oportunidade de regressarmos à casa que abandonámos, mas desta vez conscientemente, a um outro nível. E juntos poderemos sacralizar a nossa casa, torná-la novamente num lugar de comunhão com o cosmos. Recuperar o fogo e o alimento sagrado que nos porá de novo em contacto com o passado, fonte do futuro. Esse passado familiar, nacional, a nossa "pátria íntima". E seria necessário ir mais longe, unir o prazer e a sabedoria, procurar a fórmula secreta do fruto proibido, aquele que, no momento de o comermos, nos fará reencontrar o Paraíso. Convertermo-nos de novo em deuses. Andarmos nus como Adão e Eva. Talvez unidos de novo o princípio activo e o passivo, o racional e o passional, o masculino e o feminino, de uma forma prazenteira, luxuriosa, orgiástica, que faça surgir a nova civilização, o Novo Homem, a nova literatura, que fale sem ressentimentos nem falsa vergonha da casa, do amor, da cozinha, da vida."

1 comentário:

Anónimo disse...

"Tudo nos falta de uma maneira indizivel.Morremos de nostalgia do ser." Léon Bloy